Histórias de Passagem

[Divisor]

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O caderno Histórias de Passagem é parte integrante da pesquisa Trabalha_Dores: para que as histórias não sejam passageiras, projeto contemplado pela 38ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo.

A Zózima Trupe, grupo que há 16 anos pesquisa o ônibus como espaço cênico, de descentralização e de democratização do acesso às artes.

Sob a orientação do dramaturgo Victor Nóvoa, a Zózima organizou este material como um convite ao encontro, à memória, ao registro destes tempos que vivemos. Tempos difíceis, de perdas, distâncias e ausências. Queremos, falando um pouco de nós e nossas histórias, ouvir de você e das suas. Perguntas, provocações, itinerários: uma viagem poética para dentro de cada um que faz parte dessas Histórias de Passagem.


Ficha Técnica 

realização _ Zózima Trupe

artistas pesquisadores _ Anderson Maurício, Cleide Amorim, Junior Docini, Maria Alencar, Priscila Reis e Tatiane Lustoza

orientador_ Victor Nóvoa

designer gráfico_ Nando Motta

fotografias_ Leonardo Souzza

impressão_ Empório da Produção

assistentes de produção_ Brenda Rebeka e Jonathan Araujo

 Histórias de Passagem

Bertolt Brecht 

Bertolt Brecht (1898 - 1956) foi um dos mais importantes nomes do teatro mundial no século XX. Nascido na Alemanha, o encenador, dramaturgo, poeta e pensador das artes desenvolveu uma linguagem teatral que reflete criticamente sobre as formas sociais do seu tempo, sobre as relações humanas dentro de um sistema capitalista - o teatro épico. Sua obra, marcadamente política, influenciou e influencia gerações de artistas que acreditam em um mundo melhor. As reflexões de Brecht podem ser percebidas pela atualidade do poema Perguntas de um operário que lê, escrito há quase noventa anos:


Perguntas de um operário que lê (1935)

Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,

Mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilônia, tantas vezes destruída,

Quem outras tantas a reconstruiu?  Em que casas

Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China,

para onde foram os seus pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.  Quem os ergueu?

Sobre quem triunfaram os Césares?

A tão cantada Bizâncio

Só tinha palácios

Para os seus habitantes?

Até a legendária Atlântida,

Na noite em que o mar a engoliu

Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias

Sozinho?

César venceu os gauleses.

Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha

Chorou.  E ninguém mais?

Frederico II ganhou a guerra dos sete anos.

Quem mais a ganhou?


Em cada página uma vitória.

Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.

Quem pagava as despesas?


Tantas histórias

Quantas perguntas

 

Histórias de Passagem

Patativa do Assaré

Patativa do Assaré (1909 - 2002) foi um poeta, compositor, cantor e repentista cearense, considerado um dos grandes nomes da arte popular brasileira do século XX. Fazendo uso de uma linguagem simples, mas sem abrir mão da poesia, tratava da realidade do Sertão nordestino em sua obra, falando da vida árida de seus moradores. Autodidata, poeta e lavrador, Patativa trabalhava com a terra e com as palavras, carregando a oralidade como maior marca de sua poesia. Assim, para além de ler O agregado e o operário abaixo, vale a pena ouvir Patativa do Assaré declamando sua poesia neste vídeo.

 

O agregado e o operário


Sou matuto do Nordeste

criado dentro da mata

caboclo cabra da peste

poeta cabeça chata

por ser poeta roceiro

eu sempre fui companheiro

da dor, da mágoa e do pranto

por isto, por minha vez

vou falar para vocês

o que é que eu sou e o que canto.


Sou poeta agricultor

do interior do Ceará

a desdita, o pranto e a dor

canto aqui e canto acolá

sou amigo do operário

que ganha um pobre salário

e do mendigo indigente

e canto com emoção

o meu querido sertão

e a vida de sua gente.


Procurando resolver

um espinhoso problema

eu procure defender

no meu modesto poema

que a santa verdade encerra

os camponeses sem terra

que o céu deste Brasil cobre

e as famílias da cidade

que sofrem necessidade

morando no bairro pobre.


Vão no mesmo itinerário

sofrendo a mesma opressão

nas cidades, o operário

e o camponês no sertão

embora um do outro ausente

o que um sente o outro sente

se queimam na mesma brasa

e vivem na mesma Guerra

os agregados sem terra

e os operários sem casa.


Operário da cidade

se você sofre bastante

a mesma necessidade

sofre o seu irmão distante

levando vida grosseira

sem direito de carteira

seu fracasso continua

é grande martírio aquele

a sua sorte é a dele

e a sorte dele é a sua.


Disto eu já vivo ciente

se na cidade o operário

trabalha constantemente

por um pequeno salário

lá nos campos o agregado

se encontra subordinado

sob o jugo do patrão

padecendo vida amarga

tal qual burro de carga

debaixo da sujeição.


Camponeses meus irmãos

e operários da cidade

é preciso dar as mãos

cheios de fraternidade

em favor de cada um

formar um corpo comum

praciano e camponês

pois só com esta aliança

a estrela da bonança

brilhará para vocês.


Uns com os outros se entendendo

esclarecendo as razões

e todos juntos fazendo

suas reivindicações

por uma democracia

de direito e garantia

lutando de mais a mais

são estes os belos planos

pois nos direitos humanos

nós todos somos iguais.

Histórias de Passagem

Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus (1914 - 1977) foi uma escritora, compositora e poetisa mineira, uma das primeiras mulheres negras a ser reconhecida e valorizada como artista das palavras e considerada uma das mais importantes escritoras do Brasil. Sua obra mais conhecida é Quarto de Despejo: diário de uma favelada, publicada em 1960. O livro começou a ser escrito em 1955, na forma de um diário, enquanto Carolina vivia na favela do Canindé, em São Paulo, e trabalhava como catadora. Além do trecho de Quarto de Despejo publicado nas Histórias de Passagem, vale a pena ouvir o álbum, lançado em 1961, onde Carolina canta suas composições musicais. Escute a artista cantando neste link.