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Os narradores sobre rodas

Dentro da produção teatral da Zózima Trupe, é perceptível o quanto nossas obras estão centradas na pesquisa sobre o trabalho do ator, seja em relação ao espaço do ônibus ou à tessitura poética da dramaturgia. Tal característica se relaciona pelo próprio movimento de formação do grupo. A criação da Trupe resulta do encontro de artistas preocupados fundamentalmente com o caráter humano da encenação. Essa perspectiva foi experienciada por nós dentro das aulas inspiradoras da professora Lídia Zózima dentro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, no ABC Paulista.

Entendemos o trabalho do ator como um olhar corajoso e verdadeiro sobre si mesmo, o outro e o mundo que se coloca em ação de forma corponectiva. Ou seja, atuar é se comprometer a vivenciar o movimento em uma interação vívida do corpo e da mente, do pensar e do agir.

Para tanto, durante o processo de criação da Trupe, nossos atores encaram-se e questionam-se: como falar da dor do outro se não conheço a minha? É um eterno retorno para nossas origens, para o próprio corpo e para a própria vida. Conhece-te a ti mesmo é o primeiro passo da estirada, da longa caminhada rumo à construção das personagens. Mas, como já afirmava Heráclito, nem sempre somos os mesmos; e assim, esses caminhos nos levam para diferentes resultados na cena, pois contemplam vozes múltiplas e muitos corpos.

Ao longo da trajetória da Zózima Trupe, então, este olhar que parte do ator, de sua própria mirada, e ruma na direção do outro já nos conduziu por diversas propostas. Em Cordel do amor sem fim (2007), a dramaturgia de Cláudia Barral nos trouxe vozes sertanejas. Com Nelson Rodrigues e sua Valsa nº 6 (2009), experienciamos gritos e sussurros. O poeta e o cavaleiro (2010), da obra de Pedro Bandeira, transitava dos murmúrios aos risos. Da imersão em nossas memórias nasceu Dentro é lugar longe (2013). Caminhando longa e demoradamente pela cidade, pesquisando sobre a travessia de Odisseu e os tantos heroicos regressos à casa presentes no cotidiano, criamos Os minutos que se vão com o tempo (2016). Ouvindo as histórias de trabalhadoras do sistema de transporte e buscando suas relações com os mitos do feminino levamos ao palco A Cobradora (2019).

Além dos processos de criação de espetáculos, ações como o projeto Arte Expressa, com a residência artística no Terminal Parque Dom Pedro II e a Mostra de Teatro dentro do ônibus colocavam os atores diante dos olhares dos passageiros-trabalhadores no ônibus e no terminal, entre admiração e estranhamento. Todos os projetos e propostas da Trupe nasceram e seguem nascendo das inquietações do ator, do artista que deseja o encontro consigo mesmo e com o outro.

Vamos plantar uma árvore para entender como surgiu a nossa floresta.

Esse movimento de pesquisa passa pela experiência - enquanto ação e também atitude. Compreendemos o verbo experienciar como um conceito unificador, que agrega o todo de uma pessoa. Quando utilizamos o termo, englobamos processos intelectuais, emocionais, corporais, enfim: é na totalidade do ser que experienciamos, entendendo que isso é fundamental para atuar. Existimos e estamos no mundo; somos movidos por ele. Mas não podemos esquecer que nós, com nosso suor, labuta e poesia, também o movemos.

É no trabalho do ator que transportamos metáforas a cada ação, gesto e olhar nos desafios propostos pela pesquisa teatral da Zózima Trupe. É a sua presença que, lançada em fronteiras outras, transforma e é transformada pelo espaço e pelo outro. Nesse movimento de pesquisa, pautamos a vivência do ator enquanto ação experimental na direção de radicalizar a busca pelo encontro. Sobre o asfalto, as rodas e o ferro frio, o ator constrói afetos e recria a cidade de dentro e a cidade de fora.